Atleta profissional e atleta amador – diferenças e limites

O que nos levou a escrever este artigo, foi o fato de presenciarmos vários debates quanto à possibilidade de atletas que um dia foram profissionais em suas respectivas modalidades, poderem, posteriormente ao término ou mesmo durante o transcorrer de suas carreiras, disputar campeonatos e torneios amadores.

Isso ocorre em diversas ligas amadoras (municipais e regionais) que ao organizarem seus torneios, se deparam com a inscrição de atletas que tiveram uma carreira profissional, mas que pretendem continuar disputando o esporte que sempre praticaram.

Especificamente no caso do futebol, as disputas amadoras são bastante acirradas, encontrando, não raro, a existência de uma remuneração a jogadores por uma determinada equipe que, muitas vezes, ultrapassa os valores pagos a atletas profissionais.

Embora de maneira informal, precária e com recursos provindos muitas vezes de um midas local, existe a remuneração para atletas amadores disputarem os campeonatos, pagos, entre outras formas, por jogos disputados.

Contudo, as ligas proíbem a disputa por atletas profissionais. Nesse esteio, surge a dúvida. Quando um atleta pode ser considerado profissional e quando ele é amador?

Vamos começar pela legislação nacional.

A lei nº 9.615/98 (lei Pelé), em seu artigo 28 define que “a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”

O parágrafo primeiro do supracitado artigo continua dizendo “Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais de legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nessa Lei, ou integrantes no respectivo contrato de trabalho.”

Desta forma, para ser atleta profissional é necessário ter uma remuneração pactuada em contrato de trabalho formal, portanto, escrito, junto à entidade de prática desportiva. O contrato deverá ser por prazo determinado, não inferior a três meses e nem superior a cinco anos.

A Lei Pelé não apresenta uma definição clara do que vem a ser entidade de prática desportiva, o que acreditamos ser a pessoa jurídica de direito privado (constituída como associação, sociedade civil de fins econômicos ou sociedade comercial) devidamente filiada à federação estadual da modalidade esportiva e que participe dos campeonatos e torneios profissionais promovidos.

Encontramos uma definição um pouco defasada na lei 6.354/76 em seu artigo 1º que “Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol, na forma definida nesta lei.”

As entidades de prática desportivas têm o dever de registrar o contrato de trabalho do atleta profissional na entidade de administração nacional e estadual da respectiva modalidade desportiva. Assim, as federações, confederações e ligas profissionais desportivas funcionam como um cartório onde estão registrados e arquivados os contratos dos atletas de seus filiados.

Importante ressaltar que para firmar contrato de trabalho profissional, o atleta deverá ter, no mínimo dezesseis anos de vida, não apresentando a legislação um limite de idade máxima que, neste caso, é proporcionado pelos limites físicos que o esporte competitivo impõe ao ser humano.
Em resumo, para ser atleta profissional basta ter no mínimo dezesseis anos de idade, ter firmado contrato de trabalho formal e a termo com entidade que participa de torneios ou campeonatos profissionais de um determinado esporte, devidamente registrado na entidade de administração do esporte.

Ao contrário, ou seja, não apresentando todos esses requisitos, o atleta deve ser juridicamente considerado amador para a disputa de uma competição.

Para ser atleta profissional, além dos atributos técnicos e físicos necessários ao esporte competitivo, existem os aspectos jurídicos que tornam alguém profissional.

Não raro nos deparamos com atletas que possuem nível técnico e físico de profissional disputando torneios amadores.

A legislação não apresenta uma definição clara do que vem a ser amador.

O ilustre Dr. Marcilio César Ramos Krieger conceitua atleta amador como:

“É o praticante de qualquer modalidade desportiva, inclusive futebol de campo, sem receber nenhuma forma de remuneração ou de incentivos materiais. São amadores os atletas que participam das competições no âmbito dos desportos educacional e de participação, bem como os milhões de jogadores de todas as idades que participam de competições regulares ou eventuais promovidas pelos sistemas desportivos estaduais, distritais e municipais.”

Ousamos discordar do ilustre jurista, ao considerar como essencial para amadorismo a ausência completa de remuneração ou incentivos materiais. Sabemos que na atualidade em disputa de torneios amadores (futebol, basquete, vôlei) existem diferentes formas de remuneração a atletas e também incentivos materiais. Isso é uma realidade presente no dia-a-dia do amadorismo brasileiro, sem, contudo, assumir caráter de profissionais.

Não somente no Brasil, mas também no exterior nos deparamos com disputas amadoras onde os atletas são remunerados. Recentemente deparamos com a história de uma equipa inglesa de futebol amador que contratou o Dr. Sócrates para disputar algumas partidas de futebol.

Ainda no campeonato paulista de futebol amador, organizado pela Federação Paulista de Futebol, encontramos diversos atletas que recentemente disputaram campeonatos de profissionais.

O que caracteriza o atleta ser amador é o fato de ele desempenhar seu esporte como não sendo sua profissão. Tem ele outra profissão ou atividade escolar, treina junto a sua equipe por alguns dias da semana (geralmente no período noturno) e disputa partidas aos finais-de-semana. Seria este um profissional? Creio que não, inobstante a sua condição técnica, física e a existência de uma remuneração ou incentivo material.

Assim, acreditamos que o atleta que foi profissional, ao término do seu contrato de trabalho, não firmando outro contrato com qualquer entidade desportiva profissional, pode ser considerado juridicamente como amador e apto à disputa de campeonatos e torneios correspondentes.

Inobstante suas condições físicas e técnicas o tornem apto a desenvolver o desporto de maneira profissional, não havendo o contrato de trabalho registrado na federação, passa a ser amador.

Pelas regras da FIFA, encontramos subsídios para esta questão no Regulamento sobre o Estatuto e as Transferências de Jogadores, que em seu capítulo X, sob o título Reassunção da Qualidade de Amador assim determina:

“Artigo 26

Todo jogador que, registrado como profissional em uma associação nacional, deseje recobrar a qualidade de amador, deverá observar um período de espera de 30 dias para conseguir dita condição.
1. Este período começará no dia em que o jogador haja disputado sua última partida com o clube no qual estava registrado como profissional.”

A entidade maior do futebol no mundo considera a condição de amador o decorrer do lapso temporal de trinta dias da última partida como profissional.

Em nosso entendimento, moldando o critério estabelecido pela FIFA com a realidade jurídica brasileira, esse lapso temporal deverá ser concomitante ao término do contrato de trabalho do atleta.

Alguns ainda pregam a existência da chamada reversão, como um procedimento feito no âmbito das federações para que o atleta profissional reassuma a condição de amador.

Isso decorre da época em que ainda existia a figura do passe, onde mesmo sem contrato de trabalho vigente, o atleta ficava preso a um clube, impossibilitando de transferir-se para outro clube sem a anuência do anterior, ou mesmo disputar torneios amadores oficiais.

Com o passe ligado a um clube, mesmo sem contrato de trabalho em vigência, o atleta deveria solicitar a reversão para reassumir a condição de amador.

Naquela época deparávamos com pessoas desempenhando outras profissões para manter-se a si próprio e a família, sendo consideradas para todos os efeitos como atleta profissional, pois tinha o passe ligado a determinada entidade.

O atleta não exercia a profissão, pois não tinha contrato de trabalho firmado e mesmo assim era considerado atleta profissional.

Acreditamos que atualmente o procedimento da reversão para a condição de amador é desnecessário após a extinção da figura do passe pela Lei Pelé, inobstante algumas federações ainda insistam em mantê-lo.

Concluindo, todos os atletas nascem amadores, tornando-se posteriormente profissionais após firmarem remuneração através de contrato de trabalho a termo com entidade que disputa campeonatos de profissionais, retornando a condição de amadores, com o término deste contrato e decorridos trinta dias da última partida como profissional.

Luciano de Souza Siqueira, advogado, membro do IBDD, especialista em Direito Desportivo, Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor do Curso de Direito da Universidade São Francisco.